As festividades de comemoração da Semana Santa em Ouro Preto preservam na sua essência os ritos praticados no início do século XX, sendo de fundamental importância resguardar esse evento tão tradicional da religiosidade mineira, que é a Paixão de Cristo.
Muitas procissões e cortejos foram se aprimorando com o tempo e novos atos foram surgindo, mas muito do evento santo vem sendo praticado há 303 anos, desde quando foi fundada a cidade.
Através de uma pesquisa, feita junto à população mais idosa da cidade, a historiadora Angela Xavier coletou relatos dos festejos de antigamente em Ouro Preto.
Veja como eram celebradas a morte e ressurreição de Cristo desde os tempos remotos da cidade ouro-pretana.
Procissão do Fogaréu
Depois das 22h, os irmãos da Santa Casa saíam pelas ruas com o rosto coberto e archotes nas mãos, entrando por uma porta e saindo por outra em várias igrejas até chegar à Igreja do Pilar, de onde levavam a imagem de Nosso Senhor dos Passos para a Matriz de Antônio Dias.
Procissão de Penitência
As Ordens e Irmandades promoviam, cada uma em seu dia marcado, as famosas procissões de penitência. Alta noite, tudo escuro e silencioso, os irmãos saiam vestidos com seus hábitos, os rostos cobertos por lenços. A iluminação vinha de dois archotes de canela de ema. O cortejo transportava a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Os acompanhantes batiam nas calçadas com bordões, arrastavam correntes e traziam cilícios no corpo. Diversos pesos eram levados na cabeça ou dependurados no pescoço. Vários outros atos de penitência eram praticados pelos irmãos ao longo da procissão em meio a gemidos de dor. Estavam se penitenciando pela morte de Cristo e compartilhando a sua dor na cruz. Essa procissão era bastante assustadora para as mulheres e crianças que ficavam em casa, sem coragem de abrir as janelas, ouvindo os gemidos e o arrastar de correntes pelas ruas.
Procissão do Enterro
A procissão do Enterro era realizada na Sexta-feira Santa após o descendimento de Jesus da Cruz, cerimônia demorada e emocionante. Era uma procissão solene onde o silêncio só era quebrado pelo som dos Passos na calçada e a batida das lanças dos soldados romanos, que ladeavam o esquife do Senhor morto, nas pedras da calçada. A voz da Verônica entoava de quando em quando sua cantiga comovente e as Beús, carpideiras que seguiam após o esquife, respondiam em tom lamuriante. A banda de música entoava marchas fúnebres e a procissão seguia noite adentro solene e comovedora. Toda a população acompanhava esta procissão com velas acesas.
Procissão de Ressureição
Já a procissão da Ressurreição sempre foi uma festa de grande pompa e alegria, tendo a participação de anjos e virgens além de todas as Ordens e Irmandades. As bandas de música tocavam repiques festivos e a chegada da procissão à matriz era uma apoteose. Os sinos tocavam. Do alto da matriz, flores e papéis repicados eram jogados sobre a procissão. O som de foguetes misturava-se ao som do Hino Nacional executado pela banda de música.
Participação do público
Em geral as ruas eram enfeitadas para a passagem das procissões. Os moradores lavavam o passeio defronte suas casas e jogavam areia branca e fina nas calçadas. Sobre ela colocavam folhas de laranjeira e pétalas de flores. Nas janelas e varandas eram colocadas as mais belas colchas de renda ou damasco. Jarros de flores completavam a decoração, colorindo as ruas e dando à cidade um ar de alegria.
Ao final das procissões, eram distribuídos cartuchos de amêndoas aos anjos, figuras bíblicas, membros das irmandades e da banda, oferecidos pelo provedor da festa. As balas eram feitas de açúcar, recheadas com amendoim, coco, cravo ou erva doce. Antigamente, os cartuchos eram tão grandes que uma criança de sete anos não era capaz de carregá-lo, precisando da ajuda de um adulto. Esses eram tempos de grande fartura.
Depois de celebrar a Ressurreição de Cristo, acontecia a queima do Judas Iscariotes. Festa com grande participação popular. O povo delirava com as várias representações do Judas, muitas vezes satirizando algum político. O boneco desfilava pelas ruas da cidade montado num burrinho, acompanhado por um homem vestido de mulher representando a mulher do Judas, que chorava o tempo todo. O cortejo era acompanhado por uma multidão. Alguém gritava de tempos em tempos:
– O Judas já morreu!
E logo vinha a resposta da meninada excitada correndo atrás:
– Foi cachaça que bebeu!
O cortejo seguia pelas principais ruas da cidade em direção à praça onde estava montada a forca. O Judas era então dependurado na forca e a execução esperava pela leitura do seu testamento. Em geral, o testamento era uma troça feita às pessoas da cidade, onde o condenado deixava um objeto para cada pessoa dizendo o porquê e o para quê de cada coisa. A leitura do testamento era sempre motivo de grande algazarra por parte da multidão, que se divertia com a brincadeira.
Vivencie a Semana Santa em Ouro Preto, a Paixão de Cristo mais tradicional do país.
Esse ano a encenação da Paixão de Cristo vai ser na Igreja São Francisco de Assis, em frente a Pousada do Mondego.
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Fonte: Angela Xavier / Ouropreto.com.br Foto: Divulgação / Facebook Semana Santa Ouro Preto